Aproximación al español de Ariel Miller Salazar

 

445.

Dizem que o tédio é uma doença de inertes, ou que ataca só os que nada têm que fazer. Essa moléstia da alma é porém mais subtil: ataca os que têm disposição para ela, e poupa menos os que trabalham, ou fingem que trabalham (o que para o caso é o mesmo) que os inertes deveras.

Nada há pior que o contraste entre o esplendor natural da vida interna, com as suas Índias naturais e os seus países incógnitos, e a sordidez, ainda que em verdade não seja sórdida, de quotidianidade da vida. O tédio pesa mais quando não tem a desculpa da inércia. O tédio dos grandes esforçados é o pior de todos.

Não é o tédio a doença do aborrecimento de nada ter que fazer, mas a doença maior de se sentir que não vale a pena fazer nada. E, sendo assim, quanto mais há que fazer, mais tédio há que sentir.

Quantas vezes ergo do livro onde estou escrevendo e que trabalho a cabeça vazia de todo o mundo! Mais me valera estar inerte, sem fazer nada, sem ter que fazer nada, porque esse tédio, ainda que real, ao menos o gozaria. No meu tédio presente não há repouso, nem nobreza, nem bem-estar em que haja mal-estar: há um apagamento enorme de todos os gestos feitos, não um cansaço virtual dos gestos por não fazer.

 

445.

Dicen que el tedio es una enfermedad de ociosos, o que solamente ataca a los que no tienen nada que hacer. Esta molestia del alma es, por eso, más sutil: ataca a los que tienen disposición para ella, y perdona menos a los que trabajan o fingen que trabajan (lo que en este caso es lo mismo) que a los verdaderamente ociosos.

No hay nada peor que el contraste entre el esplendor natural de la vida interna, con sus Indias naturales y sus países incógnitos, y la sordidez de la cotidianidad de la vida, aunque en verdad no sea sórdida. El tedio pesa más cuando no tiene la excusa del ocio. El tedio de los grandes laboriosos es el peor de todos.

El tedio no es la enfermedad de no tener nada que hacer, sino la enfermedad, aún mayor, de sentir que no vale la pena hacer nada. Y, siendo así, entre más hay que hacer, más tedio hay por sentir.

¡Cuántas veces alzo la cabeza, vacía de todo el mundo, del libro donde estoy escribiendo y en el que trabajo! Más me valdría estar de ocioso, sin hacer nada, sin tener nada que hacer, porque ese tedio, aunque real, al menos lo disfrutaría. En mi tedio actual no hay reposo ni nobleza, ni bienestar en el que haya malestar: hay un enorme apagamiento de todos los gestos hechos, no un cansancio virtual de los gestos que no se harán.

 

 

446.

OMAR KHAYYAM

O tédio de Khayyam não é o tédio de quem não sabe o que faça, porque na verdade nada pode ou sabe fazer. Esse é o tédio dos que nasceram mortos, e dos que legitimamente se orientam para a morfina ou a cocaína. É mais profundo e mais nobre o tédio do sábio persa. É o tédio de quem pensou claramente e viu que tudo era obscuro, de quem mediu todas as religiões e todas as filosofias e depois disse, como Salomão: “Vi que tudo era vaidade e aflições de ânimo”, ou como, ao despedir-se do poder e do mundo, outro rei, que era imperador, nele, Septímio Severo: “Omnia fui, nihil…” “Fui tudo; nada vale a pena”.

A vida, disse Tarde, é a busca do impossível através do inútil; assim diria, se o houvesse dito, Omar Khayyam.
Daí a insistência do persa no uso do vinho. Bebe! Bebe! é toda a sua filosofia prática. Não é o beber da alegria, que bebe porque mais se alegre, porque mais seja ela mesma. Não é o beber do desespero, que bebe para esquecer, para ser menos ele mesmo. Ao vinho junta a alegria, a ação e o amor; e há que reparar que não há em Khayyam nota alguma de energia, nenhuma frase de amor. Aquela Sàki, cuja figura grácil entrevista surge (mas surge pouco) nos rubaiyat, não é senão a “rapariga que serve o vinho”. O poeta é grato à sua esbelteza como o fora à esbelteza da ânfora, onde o vinho se contivesse.

A alegria fala, do vinho, como o Deão Aldrich:

A gente tem, a meur ver,
Cinco razões para beber:
Um brinde, um amigo, ou então
Sede, ou poder vi-la ter
Ou qualquer outra razão.

A filosofia prática de Khayyam reduz-se pois a um epicurismo suave, esbatido até ao mínimo do desejo de prazer. Basta-lhe ver rosas e beber vinho.

Uma brisa leve, uma conversa sem intuito nem propósito, um púcaro de vinho, flores, em isso, e em não mais do que isso, põe o sábio persa o seu desejo máximo. O amor agita e cansa, a ação dispersa e falha, ninguém sabe saber e pensar embacia tudo. Mais vale pois cessar em nós de desejar ou de esperar, de ter a pretensão fútil de explicar o mundo, ou o propósito estulto de o emendar ou governar. Tudo é nada, ou, como se diz na Antologia Grega, “tudo vem da sem-razão”, e é um grego, e portanto um racional, que o diz.

 

446.

OMAR KHAYYAM

El tedio de Khayyam no es el tedio de quien no sabe qué hacer, porque en verdad nada puede o sabe hacer. Ese es el tedio de los que nacieron muertos y de los que legítimamente se dirigen hacia la morfina o la cocaína. El tedio del sabio persa es más profundo y más noble. Es el tedio de quien pensó claramente y vio que todo era oscuro, de quien midió todas las religiones y todas las filosofías, y después dijo, como Salomón: “todo era vanidad y aflicciones del espíritu”, o como, al despedirse del poder y del mundo, otro rey, que era emperador en él, Septimio Severo: “Omnia fui, nihil…” “Fui todo; nada vale la pena”.

La vida, dijo Tarde, es la búsqueda de lo imposible a través de lo inútil. Así lo diría, si lo hubiese dicho, Omar Khayyam.

De ahí la insistencia del persa en el uso de vino. ¡Bebe! ¡Bebe! Es toda su filosofía práctica. No es el beber de alegría, que bebe para alegrarse más, para ser más ella misma. No es el beber de desesperación, que bebe para olvidar, para ser menos ella misma. En el vino junta la alegría, la acción y el amor; y hay que observar que no tiene en Khayyam nota alguna de energía, ninguna frase de amor. Aquella Sáqui, cuya figura grácil brota (mas brota poco) entrevista en los Rubaiyat, no es sino la “muchacha que sirve el vino”. El poeta disfruta de su esbeltez como disfruta de la esbeltez de la botella donde el vino se contiene.

La alegría habla, del vino, como el Deán Aldrich:

La gente tiene, a mi parecer,
Cinco razones para beber:
Un brindis, un amigo, o sea
Sed, o poderla luego tener,
O cualquier otra razón que sea.

La filosofía práctica de Khayyam se reduce, pues, a un epicureísmo suave, reducido al mínimo el deseo de placer. Le basta ver rosas y beber vino. Una brisa leve, una plática sin intención ni propósito, un búcaro de vino, flores: en esto, y no más que en esto, es donde el sabio persa pone su deseo máximo. El amor agita y cansa, la acción distrae y engaña, nadie sabe saber y pensar lo embota todo. Más vale, pues, dejar de desear o de esperar, de tener la pretensión fútil de explicar el mundo, o el propósito estúpido de arreglarlo o gobernarlo. Todo es nada, o, como se dice en la Antología Palatina, “todo viene de la sin-razón”, y es un griego, y por lo tanto un racional, el que lo dice.

 

447.

Quedar-nos-emos indiferentes à verdade ou mentira de todas as religiões, de todas as filosofias, de todas as hipóteses inutilmente verificáveis a que chamamos ciências. Tão-pouco nos preocupará o destino da chamada humanidade, ou o que sofra ou não sofra em seu conjunto. Caridade, sim, para com o “próximo” como no Evangelho se diz, e não com o homem, de que nele se não fala. E todos, até certo ponto, assim somos: que nos pesa, ao melhor de nós, um massacre na China? Mais nos dói, ao que de nós mais imagine, a bofetada injusta que vimos dar na rua a uma criança.

Caridade para com todos, intimidade com nenhum. Assim interpreta FitzgGerald, num passo de uma sua nota, qualquer coisa da ética de Khayyam.

Recomenda o Evangelho amor ao próximo: não diz amor ao homem ou à humanidade, de que verdadeiramente ninguém pode curar.

Perguntar-se-á talvez se faço minha a filosofia de Khayyam, tal como aqui, creio que com justeza, a escrevi de novo e interpreto. Responderei que não sei. Há dias em que essa me parece a melhor, e até a única, de todas as filosofias práticas. Há outros dias em que me parece nula, morta, inútil, como um copo vazio. Não me conheço, porque penso. Não sei pois o que verdadeiramente penso. Não seria assim se tivesse fé; mas também não seria assim se estivesse louco. Na verdade, se fosse outro seria outro.

Para além destas coisas do mundo profano, há, é certo, as lições secretas das ordens iniciáticas, os mistérios declarados, quando secretos, ou velados, quando os figuram ritos públicos. Há o que está oculto ou meio oculto nos grandes ritos católicos, seja no Ritual de Maria na Igreja Romana, seja a Cerimónia do Espírito na Franco-Maçonaria.

Mas quem nos diz, afinal, que o iniciado, quando íncola dos penetrais dos mistérios, não é senão avara presa da nossa nova face da ilusão? Que é a certeza que tem, se mais firme que ele a tem um louco no que lhe é loucura? Dizia Spencer que o que sabemos é uma esfera que, quanto mais se alarga, em tantos mais pontos tem contacto com o que não sabemos. Nem me esquecem, neste capítulo do que as iniciações podem ministrar, as palavras terríveis de um Mestre da Magia. “Já vi Ísis” diz, “já toquei em Ísis: não sei contudo se ela existe”.

 

447.

Hemos de permanecer indiferentes ante la verdad o la mentira de todas las religiones, de todas las filosofías, de todas las hipótesis inútilmente verificables a las que llamamos ciencias. Tan poco nos preocupará el destino de la llamada humanidad, o lo que sufra o no sufra en su totalidad. Caridad, sí, para con el “prójimo”, como se dice en el Evangelio, y no con el hombre, de quien no se habla. Y todos, hasta cierto punto, somos así: ¿qué nos pesa, incluso al mejor de nosotros, una masacre en China? Mas nos duele, hasta al que más imagine de nosotros, la cachetada injusta que vimos dar a un niño en la calle.

Caridad para con todos, intimidad con nadie. Así interpreta FitzGerald, en un pasaje de una de sus notas, algo sobre la ética de Khayyam.

El Evangelio recomienda amar al prójimo: no dice amar al hombre o a la humanidad, de la que nadie puede curarse verdaderamente.

Tal vez se me pregunte si hago mía la filosofía de Khayyam, tal como aquí, creo justamente, la he reescrito y la interpreto. Responderé que no sé. Hay días en los que me parece la mejor, y hasta la única, de todas las filosofías prácticas. Hay otros días en los que me parece nula, muerta, inútil, como una copa vacía. No me conozco, porque pienso. No sé, pues, lo que verdaderamente pienso. No sería así si tuviese fe, pero tampoco sería así si estuviese loco. En verdad, si fuera otro, sería otro.

Más allá de estas cosas del mundo profano, están, es cierto, las lecciones secretas de las órdenes iniciáticas, los misterios revelados, ya cuando son secretos o velados, ya cuando los representan en ritos públicos. Está lo oculto o medio oculto en los grandes ritos católicos, ya sea en el Ritual de María en la Iglesia romana, ya sea la Ceremonia del Espíritu en la francmasónica.

Pero, ¿quién nos dice, al final, que el iniciado, cuando mora los habitáculos de los misterios, no es sino avara presa de la nueva faz de nuestra ilusión? ¿Cuál es la certeza que tiene, si más firme que él la tiene un loco en lo que le es locura? Decía Spencer que lo que sabemos es una esfera que, entre más se alarga, en más puntos tiene contacto con lo que no sabemos. Y no me olvido, en este capítulo concerniente a lo que las iniciaciones pueden ministrar, de las terribles palabras de un Maestro de Magia. “Ya vi a Isis”, dijo, “ya toqué a Isis: no sé, sin embargo, si ella existe”.

 

 

448.

OMAR KHAYYAM

Omar tinha uma personalidade; eu, feliz ou infelizmente, não tenho nenhuma. Do que sou numa hora na hora seguinte me separo; do que fui num dia no dia seguinte me esqueci. Quem, como Omar, é quem é, vive num só mundo, que é o externo; quem, como eu, não é quem é, vive não só no mundo externo, mas num sucessivo e diverso mundo interno. A sua filosofia, ainda que queira ser a mesma que a de Omar, forçosamente o não poderá ser. Assim, sem que deveras o queira, tenho em mim, como se fossem almas, as filosofias que critique; Omar podia rejeitar a todas, pois lhe eram externas, não as posso eu rejeitar, porque são eu.

 

448.

OMAR KHAYYAM

Omar tenía una personalidad; yo, para bien o para mal, no tengo ninguna. De lo que soy a una hora, a la hora siguiente me separo; de lo que fui un día, el día siguiente me olvido. Quien, como Omar, es quien es, vive en un solo mundo, que es el externo; quien, como yo, no es quien es, vive no sólo en el mundo externo, sino en un sucesivo y diverso mundo interno. Su filosofía, aunque quiera ser la misma que la de Omar, forzosamente no podrá serlo. Así, sin verdaderamente quererlo, tengo en mí, como si fueran almas, las filosofías que critico; Omar podía repudiarlas todas, pues le eran ajenas, yo no puedo repudiarlas, porque son yo.